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quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Uma carta...

Helena,
Você quer ser uma princesa, e eu quero que você seja feliz, então precisamos ter essa conversa.
No canto da nossa cama, entre os travesseiros, você brincou pedindo para o príncipe ir te salvar. Ali, naquele momento, eu gelei. Também já fui a menina que precisava ser salva, e por um momento, achei que tinha sido, até ver meu príncipe encantado se tornar meu algoz. Ver meu querido e lindo príncipe me chamar de monstro por eu dizer que ele não iria me tratar como nada.
Eu sei que é uma brincadeira, mas também sei que brincadeiras são ferramentas de sociabilização. Sei que bonecas te ensinam a ser mãe, que um fogão pode simbolizar o que acham é o lugar de uma mulher no mundo. Sei que se um dia você se impor, não permitir que te quebrem, alguém vai te falar para ficar em silêncio. Vão tentar te vencer pela exaustão. Te machucar de formas que ninguém considere violência. Um dia podem de tirar a única coisa que pode te salvar: sua voz.
Naquele dia nós sentamos e conversamos que você pode ser uma princesa, mas que não precisa de príncipe, você pode construir uma escada e se salvar. Você pode subir nas costas do dragão e voar. Você pode se salvar, sempre. Você pode ser a protagonista da sua história. Pode gritar tanto até que fiquem transtornados e entendam que quem manda naquela montanha é você.
Hoje, meses depois, escuto histórias de uma princesa corajosa que desenha, pula, pega sua espada e grita atacar no parque.
A linha que separa a princesa de um monstro é o papel que eles desempenham. Se princesas são delicadas, frágeis, bondosas e cheias de candura, o monstro é a maldade, uma besta que manipula e planeja para causar dor. Ele é feio, barulhento. Ele é aquilo que ninguém quer ser.
O monstro é aquilo que ninguém quer ter que lidar, as princesas são o sonho de consumo. Sendo alguém que passou de um ponto para o outro, posso te dizer que o caminho é doloroso e cheio de decisões difíceis.
A primeira vez que gritei por ajuda me questionaram a ação de gritar, não quem me fazia gritar. Das vezes que tomei a dura decisão de não me deixar diminuir, não questionaram qual era a ocasião, me perguntaram porque continuava fazendo isso. Quando você desempenha um papel que acham que não te pertence, o papel ativo da pessoa que sabe o que quer ou não deixa que cometam violências contra a sua dignidade, vai notar como o papel de louca e mal caráter lhe caberá rápido.
Ninguém gosta de ouvir não. Ninguém gosta de ser tirado da zona do conforto. Todos gostamos de ter uma bruxa para queimar, um monstro para caçar, uma pessoa para culpar.
E se você não é princesa, qual outro papel resta?
Helena, de todas as prisões que já vi, a pior é aquela que você nasce e não sabe que está. A pior é aquela que dizem que reluz, tem um sofá confortável, uma cozinha brilhosa, um vestido engomado e nenhuma saída.  Porque ali você vai parecer feliz para o mundo, e quando implorar ajuda, talvez lhe peçam para sorrir.
Você é adulta agora, e de mulher para mulher, de mãe para filha, queria te dizer para não ser nem princesa ou monstro, seja você. Um dia vão te colocar algum nome, podem te sentar numa cadeira e apontar cada erro e falha, tentar te enlouquecer e fazer desistir. Não desista. Você não está louca. O monstro é outro.
Você não é uma princesa frágil e indefesa, você não é um monstro terrível, você é quem é. Você tem voz, sonhos, vontades, personalidade. Você é uma pessoa.
Nossas histórias infantis tem por centenas de anos ensinado qual é o seu lugar, sendo que o seu lugar não existe. O seu lugar é onde você bem entender. Eles dizem que não podemos fazer barulho quando devemos mais do que nunca fazer, porque nenhum abuso ou violência irá passar. Nossa história não termina com felizes para sempre, nossa história começa com a música que queremos cantar.
Não somos rivais nem inimigas, não vamos abandonar um reino no fundo do mar por um menino mimado. Não estamos aqui para esses personagens antigos que ainda ecoam em lugares tradicionais de nossa sociedade.
Nunca me senti tão feliz em dizer: quando chegar o dia, não beije o sapo, mande-os para a cozinha cantar com passarinhos e não se meter na sua vida. Vire a esquina e não olhe para trás.
Eu fiz, recomendo.
Com amor,
Mamãe.

https://cartasparahelena.wordpress.com/

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