Eu não sou mãe, mas sou tia e quando meus pequenos dormem comigo eu acordo a noite toda pra cobrir se estiver frio, pra livar ventilador se tiver quente, pra ver se o travesseiro esta corretamente embaixo da cabeça, pra ver se está muito encostado na parede e pra ver se está respirando...sim, por que desde que tive a noção que paramos de respirar e morremos eu pegava um pedaço de algodão e colocava na frente do nariz de meus subrinhos e como desde os 3 anos eu tenho subrinho e ja tenho 15 subrinhos eu já fiz isso várias vezes...porque? Porque eu amo, eu os amo como sendo meus, eu sinto um afeto tão grande pelos meus pequenos que eu brigo com seus pais se eles magoam meus subrinhos e como seria uma mãe diferente? Se minha vida não mudasse, se eu não deixasse de dormir para olha-los, se seu choro não me incomodasse que tipo de mãe eu estaria sendo? Se uma mulher coloca um serzinho especial nesse mundo e não tem uma olheira, um cansaço...ela não estará sendo uma boa guardiã, uma boa mãe...ela só fez parir!
Eu quero sim, acordar de madrugada meu baby chorando ou não só para olhar ele dormindo, só pra ver a respiração dele, só para alisar sua cabeça e dizer que eu o amo!
Não queria ser mãe?
Agora aguenta!"
Há mulheres que
engravidam depois de muito planejar. Há mulheres que engravidam sem
nenhum
planejamento. Há
mulheres que engravidam sem sequer terem pensado em ser mães um dia.
Há mulheres que engravidam depois de muitos anos desejando um filho.
Há mulheres que se tornam mães sem engravidar. Há mulheres que
ainda estão esperando - a gravidez, o nascimento, a chegada. Todas
essas mulheres, sem exceção, passarão ou já passaram por
profundos momentos de mudança quando da chegada do filho. Radicais
momentos de mudança. Uma mudança que atinge todos os domínios de
nossas vidas. Emocional. De disponibilidade. Logística.
Profissional. Para algumas, mudanças de valores. Para outras, de
carreira. Para outras ainda, de olhar sobre a vida. Para tantas,
todas essas mudanças juntas. No tempo de sono. Na divisão do tempo
das tarefas diárias. De ressignificação de si mesma no mundo. De
reformulação da rotina. Do círculo de amizades. De hábitos
alimentares. E tantas outras... E, sim, tudo isso gera angústia.
E como se isso fosse
pouca coisa, ainda precisam enfrentar algo extremamente cruel: o
confronto e constrangimento que parte de algumas mulheres que já são
mães e que já passaram por situações que as que estão esperando
ainda irão passar. Mulheres que nutrem e propagam uma visão ácida,
áspera e, sobretudo, não empática da maternidade. E que justamente
num dos momentos de maior vulnerabilidade e insegurança, disparam
contra outras mulheres frases duras como essas:
"Aproveita
agora, porque depois acabou sua vida".
"Espera pra
ver... Aproveita enquanto pode".
"Prepare-se
para nunca mais dormir".
"Logo sua paz
vai acabar".
"Não queria?
Agora aguenta".
Se você já passou
por uma situação de gravidez, a chance de já ter sido alvo de
algumas dessas frases (ou suas correlatas) é alta. Eu as ouvi quando
estava grávida. Vejo gestantes passando por isso todos os dias. É
absoluta e infelizmente comum.
Que tipo de
comportamento é esse?
Seria uma espécie
de autoafirmação? De deboche? Ou é apenas mais um tipo de
brincadeirinha senso comum, feita por quem sequer se deu ao trabalho
de pensar sobre o que de fato significa, e que diminui a maternidade,
ridiculariza as mulheres, reduz bebês e crianças a estorvos
sociais? Com que tipo de valores se está compactuando quando se
escolhe fazer esse tipo de comentário? O que se quer dizer,
verdadeiramente, com isso? Que tipo de conceito sobre ser mãe e
exercer a maternidade nutre quem se sente à vontade para dizer
coisas como essas?
Você acha que a
maternidade é isso mesmo e não há nenhuma mentira nisso?
Desculpe-me, mas preciso discordar veementemente. Para mim, não é.
Para inúmeras outras mulheres mães, não é. Mas se para você é,
então talvez já saibamos onde está o problema... E ele não está
na maternidade. Está na relação que você, particularmente,
estabeleceu com ela. Como diria o escritor italiano, "Così è
(se vi pare)". Assim é, se lhe parece...
Minha vida não
acabou quando minha filha nasceu. Sim, minha vida mudou.
Radicalmente. Acabou? Jamais. Teve início. Teve início uma nova
forma de vida. Uma vida mais empática, mais preocupada com questões
coletivas, mais ligada à responsabilidade que é bem criar um ser
para o mundo. Preocupada com transformações pessoais que pudessem
refletir na formação da minha filha - afinal, como sempre digo, é
pelo exemplo que se ensina mais e melhor.
Aproveitar enquanto
pode? O que? Por que não se pode aproveitar depois? Vai haver algum
tipo de castração social? De impedimento que inviabilize uma vida?
É isso o que está acontecendo com você? Você está se sentindo
castrada de alguma maneira? Está sentindo que não está
aproveitando sua vida?
Preparar-se para
nunca mais dormir? Seu filho não está dormindo? Ele nunca dorme?
Por que? Como a rotina de sono é feita na sua casa? Quais são os
seus hábitos de sono? E os do bebê? Como vocês se preparam para
dormir? O que o momento de ir para a cama representa para a família?
Por que está assim tão difícil dormir, para você?
Ter a paz de uma
vida toda interrompida por um filho? Você sinceramente acha que seu
filho é a antítese da paz? O que está acontecendo para que você
considere impossível sentir-se em paz e ser mãe? Como é ser mãe
na sua família? Quem te ajudou a construir essa visão sobre a
maternidade? Por que?
Agora aguenta?
"Aguentar"? O que? Uma criança? É assim que seu bebê ou
sua criança tem sido visto? Como alguém a ser tolerado, suportado?
Consegue perceber
onde está o problema? Quem está com problema?
Como sempre, essas
são frases que mais dizem sobre quem as profere do que sobre seu
próprio conceito. A mim, parece muito claro que mulheres que se
sentem confortáveis em confrontar outras mulheres com frases como
essas, justamente em uma fase de vida em que o apoio e amparo social
são tão importantes e podem fazer tanta diferença, estão com
problemas sérios com relação ao modo como veem a maternidade. Ao
que, de fato, seus filhos representam para elas. Sentem-se
diminuídas, prejudicadas, nutrem uma espécie de raiva pelas
mudanças que a maternidade operou em suas vidas. Não as enxergam
como parte natural da decisão de gestar e criar uma criança. De
certo modo, veem a chegada dos filhos como uma espécie de "castigo".
Sim, elas estão com problemas. E se elas estão com problemas, elas
também precisam de ajuda.
Eu sei que, para
você, gestante ou mãe recente, enfrentando as angústias do novo
modo de vida, ainda incerta sobre como conseguirá conciliar tudo,
comentários como esses podem parecer cruéis, injustos, agressivos,
violentos. E realmente são. Mas interrompa o mal estar que você
possa estar sentindo e responda à pergunta: ONDE ESTÁ O PROBLEMA?
Não. Ele não está
na maternidade. Não está em ter um novo filho. Nem, sequer, na
mulher que te disse isso. O problema está no que se incentiva e
reforça por aí, nessa sociedade patriarcal agressiva, onde mulheres
são consideradas sempre as únicas ou maiores cuidadoras e
responsáveis pela criação dos filhos, onde poucos são os homens
que, de fato, se responsabilizam pelo filho que também colocaram no
mundo. Sim. Essas mulheres estão com problemas. De alguma forma,
podem ter sido deixadas sozinhas na missão tão complexa de cuidar
de crianças. Sim, podem estar se sentindo castradas, enraivecidas,
solitárias.
Assim, te pergunto:
quem está com problemas?
Onde está o
problema?
Michelli é uma
amiga dos tempos da graduação. Nós fizemos o mesmo curso, na mesma
universidade, em anos diferentes (ela foi minha caloura). Não
tivemos mais notícia uma da outra por bastante tempo, até que nos
reencontramos na virtualidade das redes sociais. Hoje, ela está
esperando a Isabel, há 7 meses na barriga, bebê muito esperada. Ela
mora em outro país, sente-se um tanto longe da família e dos
amigos, perdeu um primeiro bebê com 11 semanas de gestação e agora
aguarda, ansiosa, a chegada da filha. Por ser mãe pela primeira vez,
está sensível, confusa, sentindo-se sozinha, trabalhando dobrado
pra compensar a licença maternidade. Muitas de nós sabemos
exatamente como é se sentir assim... Num momento de desabafo e
buscando alguma forma de apoio, Michelli me escreveu e perguntou à
queima roupa:
"Será que as
mulheres, depois que seus bebês nascem, tentam aparentar serem
melhores que as outras, se tornam sádicas ou simplesmente se
esquecem do que passaram?".
Sua pergunta vem do
fato de, ao buscar apoio em outras mulheres, que já são mães,
receber de volta, com muita frequência, aquele tipo de comportamento
não empático sobre o qual estamos falando.
"Essa é a
parte mais fácil... Espera nascer pra você ver!", "Depois
piora...", "Esquece a vida como você conhece! Acabou
namoro com o marido, cinema, restaurante, viagem...", "Não
vai dormir por anos!", "Não queria tanto ser mãe? Agora
aguenta...".
E ela termina seu
desabafo dizendo:
"Incrivelmente,
tenho encontrado mais palavras de alento com as amigas que não têm
filhos. Óbvio que não é uma regra, mas a maioria (esmagadora) das
mães parecem tentar se supervalorizar, diminuir ou assustar (como se
já não fosse insegurança o suficiente) quem ainda está chegando
nesse novo “grupo”. (...) Já existe pressão demais na
sociedade com quem quer ser mãe... Portanto, MULHERES, VAMOS NOS
AJUDAR!"
Minha resposta a ela
foi a seguinte:
"Quando alguém
disser coisas desse tipo pra você, confronte. Diga, docemente:
'Estou numa campanha: troque uma palavra de desânimo para uma
grávida por uma de apoio".
Sim, depois que a
Isabel nascer, Michelli vai ficar cansada nos primeiros meses, vai
sentir que não tem tempo para as outras coisas. Todas nos sentimos
assim, isso é totalmente natural. E estar preparada para isso,
entender que é uma fase de adaptação e ajustes, é o que nos ajuda
a passar por essa fase de maneira mais tranquila. Mas o mais
importante é que, embora cansadas, vamos sentir uma coisa nova muito
forte, algo sem precedentes, e que algumas pessoas chamam de AMOR. Um
tipo diferente de amor, que não conhecíamos antes. E em meio ao
cansaço, é possível que também sintamos uma grande força surgir,
por vezes uma euforia, que talvez nos leve a dançar no meio da sala,
ou a cantar, ou a fazer algo diferente do que já fizemos. Talvez
queiramos mudar a vida. Talvez nossa vida anterior não nos caiba
mais. Talvez passemos a ver o mundo como um imenso universo a ser
desbravado. Talvez tenhamos mais coragem para assumir quem de fato
somos. Pelo nada simples fato de termos nos tornado mães.
Não é fácil ser
mãe, não. Mas ninguém que decide seguir adiante com uma gravidez e
escolhe ser mãe faz isso buscando facilidade, não é mesmo? O que a
gente busca é criar filhos bacanas, sentir essa mudança, fazer bem
feito, com responsabilidade, com afeto, sentindo que depende de nós
e está em nossas mãos o tipo de mundo que queremos ajudá-los a
criar. E isso será mais forte que o cansaço. E a gente vai
encontrar novas formas de viver. Vamos namorar na sala, sem gritar,
pra não acordar o bebê. Iremos à universidade com nosso bebê à
tiracolo. Trabalharemos embalando o bebê-conforto. Vamos inventar
novas reuniões sociais, inclusivas, kids friendly. Vamos construir
novos círculos de amigos. Vamos fazer yoga com as crias (viu,
Michelli, você vai ter tempo sim). Vamos colocar cadeirinhas nas
bikes para andar com elas. Vamos dormir agarradinhos em horários
estranhos. Vamos passar madrugadas vendo o leite escorrer das
boquinhas. Vamos ter coragem para nos libertar de padrões que não
nos servem mais. Vamos chorar sim, também. De cansaço, de angústia,
de dúvida, teremos crises.
E é, também, nos
braços umas das outras que vamos encontrar morada, força, apoio e
sustentação.
Precisa ser assim.
Tem que ser assim.
Nós já temos muita
gente nos oprimindo. É justo - e necessário - que nos apoiemos umas
às outras. Uma mãe "lava" a outra.
Eu poderia citar
muitos artigos que já mostraram os comprovadamente benéficos
efeitos do apoio social materno. Ter um grupo de mães que te apoie,
sustente, acolha, empodere, fortaleça, ajuda nas adaptações do
puerpério, aumenta o sucesso da amamentação, diminui o isolamento
social e o embotamento afetivo característico da chegada de um novo
filho, torna mais fácil a volta ao trabalho, diminui o cansaço e,
principalmente, diminui a possibilidade de ocorrência de agressão
contra as crianças.
Eu poderia falar
sobre tudo isso e citar inúmeros artigos. Mas eu prefiro recorrer à
afetividade e dizer: chega de frases angustiantes, de ressaltar as
dificuldades, de constranger, de oprimir. Nós precisamos umas das
outras. Uma mãe que vê outra mãe dar conta, acolher com amor e
fortaleza a maternidade, é uma mãe fortalecida. E uma mãe
fortalecida pode apoiar e sustentar outra. E isso não tem mais fim.
"Vai piorar"?
Não. Pode ser que
não.
Pode ser que sua
angústia por não saber o que virá adiante seja, também, a sua
força.
Filhos nos tiram o
sono.
E nos dão inúmeros
motivos para querermos estar despertas. Em muitos sentidos. Muitos
sobre os quais jamais pensamos antes deles chegarem...
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